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4 de novembro de 2012

Road Trip: Goodlife Fest 2012

Quando quatro pessoas que se conhecem há mais de dez anos planeiam juntar-se para ir ver uma banda que adoram há mais ou menos esse mesmo tempo, o resultado só pode ser uma viagem brutal e digna de ser arquivada na gaveta das aventuras. O Leo e o Tofu sugeriram há uns bons meses - quando o cartaz do Goodlife Fest foi anunciado - que seria uma boa ideia viajar até à Bélgica, uma vez que estavam a pensar cá vir nessa altura. Por mim tudo bem, claro. Não só iriam tocar os Congress, como também os Crawlspace (que foram adicionados mais tarde), os Six Ft Ditch e mais uma série de bandas que não me diz nada por aí além. O Nuno juntou-se aos planos umas semanas mais tarde e ficou tudo por planear até... até... exactamente cinco dias antes da viagem, à boa moda portuguesa.


Problema? Não. Dois ou três telefonemas feitos por mim e meia dúzia de cliques resolveram a situação. Tínhamos o Vauhall Corsa reservado por £48, uma estimativa de £70 de gasolina para gastar na viagem, £40 de seguro para poder sair aqui da ilha, £10 do bilhete do concerto e £25 (!) do ferry de Dover para Calais - que foi descoberto meio às duas pancadas e quase a um quarto do preço de todos os outros. Assim sendo, o budget feito à última da hora dava a modesta quantia de cerca de £45 cada um pela viagem. Mais em conta era impossível. Claro que não tínhamos sítio para dormir na noite de sábado, depois do concerto, mas isso era apenas um pormenor que não assustava nenhum de nós - muitos anos de hardcore, possivelmente.

O Leo e o Tofu chegaram na sexta-feira à hora de almoço e o Nuno mais tarde, ligeiramente depois da hora de jantar. Nessa noite não fizemos muito mais que ver algum lixo na televisão, imprimir bilhetes, confirmações, mapas, etc. O costume. Antes disso fomos ao supermercado comprar comida para comer na viagem: pão, queijo, sumo de laranja e mais umas fatias de galinha e outras coisas do género. A hora de dormir veio por volta da meia-noite e meia, com os despertadores acertados para as oito horas da manhã, de forma a dar tempo para estarmos em Fulham para pegar o carro às nove horas. Calmo.

Ainda fiquei um bocado à conversa com o Leo antes de adormecermos os dois e só acordei com o despertador à hora combinada. Minutos depois tinha o Nuno a bater à porta, para ver se já estávamos a pé. Ele foi tomar um duche, de forma que aproveitei para fechar os olhos mais um pouco. Eu fui a seguir a ele e, contrariamente ao planeado, o Leo e o Tofu também não resistiram. Enquanto esperávamos fomos arrumando as mochilas, certificando-nos que não nos estávamos a esquecer de nada. Saímos de casa ligeiramente atrasados, mas confiantes que isso não iria ter grande importância - afinal de contas, o carro já estava pago.

Chegámos lá por volta das nove e meia, depois de uma curta viagem de autocarro. Levantar o carro demorou algum tempo porque o senhor teve que tirar imensos detalhes e fazer algumas perguntas. Curiosamente, o tipo que fez a reserva comigo ao telefone escreveu Asonso em vez de Afonso no apelido do Leo, de modo que o rapaz da loja se referiu a ele como Alfonso, Alonso, etc., o tempo todo. Bom demais. Infelizmente, como ele disse, o Corsa que tínhamos alugado não estava disponível, por isso ia ter de nos dar um upgrade... para uma Insignia, que - aparentemente - é muito melhor que o Corsa. Claro que para mim é tudo chinês.

Finalmente, perto das dez horas, ele lá nos deu o carro e nós seguimos viagem. Parámos um pouco mais à frente para olhar para as folhas que eu tinha impresso e rapidamente percebemos que não nos iam ajudar muito, uma vez que o ponto de partida não era o mesmo. Boa maneira de começar a viagem! O Leo (condutor de serviço) lá ligou o GPS do telemóvel dele e eu assumi o papel de co-piloto. Demorámos cerca de quarenta minutos até sair de Londres - sem trânsito quase nenhum! A conversa rolava calmamente sobre os mais variados temas, desde a melhor música de Congress até à pior banda de hardcore portuguesa. Chegar a Dover não foi problema e não apanhámos chuva, o que foi bom, uma vez que o céu estava meio coberto. O problema foi a fila interminável que apanhámos antes de chegar ao ferry, já bem apertados de tempo.

Demorámos cerca de cinquenta minutos para chegar à zona de check-in e quando o fizemos, já estávamos em cima da hora. O que nos valeu foi que, devido ao mau tempo, os serviços estavam todos atrasados cerca de duas horas. Assim sendo, acabámos por ter de esperar pelo nosso ferry na fila de embarque durante esse tempo. A viagem estava marcada de forma a sairmos de Dover ao meio-dia e cinquenta, para chegar a Calais uma hora e meia depois (mais uma hora por causa do fuso horário) e ao concerto outra hora e meia depois disso. Se o plano tivesse corrido como planeado, chegaríamos a tempo de ainda ver duas bandas antes dos Crawlspace (que eram a outra banda que queríamos ver), que subiam ao palco as seis e cinquenta. Deste modo, se o ferry se atrasasse um bocadinho mais que fosse, já ia ser complicado chegar lá a tempo de os ver do início. O festival começava às duas e tal tarde nesse sábado, mas nenhum de nós estava interessado nas restantes bandas. Restava esperar que o barco andasse, e a horas.

Saímos do carro e fomos até um pequeno edifício que tinha um Burger King e um Costa. Reformulo: tinha o Burger King e o Costa com as maiores filas que nós já alguma vez vimos. Eram gigantes. Eram tão grandes que se perdiam de vista. Tudo bem que o sítio não era muito grande, mas aquilo era ridículo. A ideia de comer por lá desvaneceu-se rapidamente e optámos por apenas visitar o WC. Descobrimos depois que, por causa do atraso, havia pessoal que estava ali à espera do ferry desde as onze da manhã. Rendidos à espera interminável comemos umas sanduíches de queijo no carro e ficámos lá sentados à espera de melhores dias - que chegaram por volta das duas e meia, tarde o suficiente para nos começarem a amolgar os planos e nos obrigarem a fazer contas de cabeça com as horas.

Entrámos no ferry, estacionámos o carro e fomos para cima. O ferry era brutal, muito semelhante àquele em que andei tanto com os Killing Frost como com os For The Glory. Eu sabia, de memória, que dava para vir cá fora, por isso fomos à procura da saída - que só encontrámos depois de, literalmente, dar a volta ao barco. Parámos ao pé de umas máquinas de jogo que lá havia perdidas e o Tofu e o Leo decidiram queimar umas moedas numa máquina de caça selvagem. Não era como se houvesse muito mais para fazer. Naquela altura só estávamos contentes por ter havido barco para nos levar para o outro lado! As contas vinham quando chegássemos a França.


Curiosamente, tanto um como o outro eram bastante bons no jogo. Bastante. Ao ponto de baterem os recordes da máquina. Ainda perdemos ali um bom tempo entretidos e, uma vez acabados os créditos, lá fomos em busca da porta que nos ia levar a apanhar ar. A vista era bonita, para trás via-se perfeitamente Inglaterra e um arco-íris lindíssimo. Para a frente... bom, para a frente viam-se nuvens negras e aquilo que aparentava ser chuva. O Leo lançou o alerta e eu não perdi tempo a dar uma corrida até à porta, não sem apanhar ainda com algum granizo e quase me enfiar de cabeça na porta por causa do chão molhado.


Para o resto da viagem fomo-nos sentar no café (fechado) na parte da frente do barco, onde arranjámos umas cadeiras confortáveis mesmo em frente a uma janela. Aproveitámos para fechar os olhos um pouco enquanto não chegávamos. A corrida contra o tempo não começou até saírmos do barco, com cerca de uma hora e pouco para chegarmos à sala do concerto de forma a ainda apanhar o concerto de Crawlspace desde o início - tarefa que nos estava a fazer todos engolir a seco. De novo, os mapas serviram de pouco e o GPS saltou cá para fora. A viagem acabou por se fazer bem e mais rapidamente que o tempo previsto, só complicando na chegada a Kortrijk quando nos apercebemos que ninguém tinha trazido a morada da sala do concerto. Eventualmente, pedindo indicações aqui e ali e um telefonema depois lá a encontrámos - o clima no carro estava tenso, mas bastou ver a sala, estacionar o carro e sair para o frio para voltar tudo ao normal.

Chegámos a duas músicas do fim do concerto de Crawlspace. A sala não aparentava estar completamente cheia, pelo menos o dance floor estava relativamente aberto e com espaço. A primeira malha que eles tocaram era do disco novo, por isso fiquei só cá atrás a apreciar enquanto saboreava o pouco movimento que havia no pit. A segunda não era uma nova e eu não resistir a me mandar lá para o meio também assim que soou a parte lenta. O que seguiu foi um episódio reminescente daquele que me aconteceu no primeiro concerto de For The Glory, onde levei um soco na intro e fiquei logo a sangrar do nariz, tendo que ir à casa de banho deixar o sangue antes de voltar para mais acção. Claro que desta vez não houve casa de banho. Nem intro. Simplesmente levei com um punho vindo do nada - como normalmente acontece neste tipo de concertos - que me abriu um senhor rasgão no lábio. Felizmente foi fora o suficiente para eu poder enfiar essa parte do lábio na boca e continuar o que estava a fazer, mas confesso que a única coisa que me passava pela cabeça era se teria de levar pontos ou não: algo que não me estava nada a apetecer. Nada.


Findo o concerto fui até à casa de banho ver ao espelho quão grande era o dano e... não fiquei de todo confortado. O golpe (em três sítios) era aquilo que os ingleses chamariam de nasty. Creio que mais um bocadinho e não me tinha safado dos pontos. Lá passei a boca por água, cuspi o sangue e voltei para dentro à procura deles, que entretanto tinham desaparecido. Fomos para o lado do palco e vimos daí o concerto de Six Ft Ditch. Quer dizer, o Nuno e o Leo bazaram passado duas ou três músicas, mas eu e o Tofu ficámos lá até ao fim. Estava muito calor na sala e eu estava meio desconfortável, tanto do lábio como do casacão de Inverno. O concerto foi ok, nada de especial. O vocalista, para além de falar um inglês bem estranho e imperceptível, deve ser daqueles que acorda todos os dias e chora por não ter nascido nos Estados Unidos. A sério... Rapper do ghetto só a dizer lixo atrás de lixo não estava a dar. Na boa, eu por acaso até curto as malhas por isso estava a curtir o concerto, embora o pit estivesse fraquinho. Havia movimento aqui e ali, mas não passou disso. A última malha era uma cover da intro de SOD e eu e o Tofu aproveitámos a deixa para irmos lá para cima ter com eles.

O andar de cima do JOC (um centro para jovens - muito comum naqueles lados da Europa) era onde estava a comida (que já tinha acabado por aquela altura, deixando-nos sem grandes opções) e o merch. O Leo conhecia lá o mano vocalista de uma banda francesa e foi mesmo a ele que acabámos por perguntar se não sabia de alguém que nos orientasse sítio para dormir. Ele conferiu com um miúdo que disse logo que sim, que era na boa. Safos. Depois de estarmos lá um pouco na galhofa, descemos para ver Congress. Eles estavam um pouco desapontados porque, aparentemente, umas semanas antes os Congress confirmaram que o vocalista original (o Pierre) não iria estar lá, sendo substituído pelo de Sektor. Eu estava naquela, excitava-me mais ver o Josh que o Pierre, mas pronto.

Por esta altura a sala estava bem cheia e os Congress estavam no palco a fazer soundcheck. Todos vestidos como se tivessem vindo agora de casa, sem grandes preocupações ou manias. Só percebi passado algum tempo que era o UJ no baixo, agora de cabelo rapado...! Estranho, muito estranho. Mas boa onda, claro! O concerto em si foi fixe, tocaram muitas músicas que adoro e muitas que me são completamente indiferentes (não percebi bem o critério na escolha, para além de escolherem apenas músicas dos primeiros discos). A acção no pit não foi tão espectacular como da primeira vez que os vi, há muitas (muitas!) luas atrás. O chão estava molhado, a maioria do pessoal que lá andava era miudagem que só se sabe mexer em partes paradas. Matou um bocado o feeling que podia ter feito deste um concerto memorável. Não foi mau, foi bom, mas faltou-lhe ali qualquer coisa. Claro que dadas as circunstâncias e tendo em conta que o tipo de Sektor não sabia metade das letras, o meu foco foi directamente para o Josh, o meu Iommi do hardcore. Muito headbang foi feito naquele set. Ainda representei bom mosh à 2002 com o lábio enfiado para dentro da boca, mas foi por aí que fiquei. O Nuno e o Leo andaram lá mais activos, mas passado um pouco estávamos todos na base do headbang. Na descontra. No final a opinião em relação ao concerto era unânime: mixed feelings, como se diz por aqui.

O miúdo com quem íamos ficar acabou por nos despachar para outro miúdo, que já ia ficar com os Alea Jacta Est, sem stress. Antes de ir dormir (o concerto acabou cedo, perto das dez da noite) eles ainda queriam ir a um bar e nós, claro, não podíamos dizer que não. Sorte tínhamos em ter arranjado sítio para ficar. Quando chegámos ao bar, rapidamente percebemos que o melhor era irmos comer calmamente e depois voltar para lá, na esperança que eles já se quisessem ir embora. Depois de uma curta paragem para o Tofu levantar dinheiro, fomos a um pequeno snack-bar (AKA frituur) chamado Chaplin, onde devorámos uma maravilhosa refeição. Eu optei por panados de queijo, tubos de mozzarella, batatas fritas com mayo e um Coca-Cola, os meus camaradas optaram por pratos com carne, claro! Estava bom, estava muito bom. Esta óptimo, e não estou a exagerar. Comer esse tipo de comida com garfo e faca por causa do golpe no lábio? Não tão fixe.



Depois disso ainda apanhámos uma boa seca no bar à espera que a criançada se decidisse a ir para casa, algo que não aconteceu até perto das duas e tal da manhã, tendo em conta que a hora tinha atrasado nessa noite para o horário de Inverno. Seguimos a carrinha dos franceses até casa do miúdo, que parecia nunca mais chegar. Estávamos todos bastante cansados e eu confesso que já estava a lutar comigo mesmo para me manter acordado. Parecia que a casa dele nunca mais chegava! Finalmente, para nosso regozijo, lá acabou por chegar. Entrámos os quatro e não demorou até que ficássemos chocados.

A casa era fixe, uma vivenda grande numa rua pacata onde não se deve passar muito. Mal entrámos para a sala - que dividia o espaço com a cozinha e era bastante grande - que estava mais desarrumada que uma loja de roupa depois do primeiro dia de saldos. Brinquedos por todo o lado, coisas partidas e muita desarrumação. Para finalizar a peça, só mesmo estar a dar um programa do Justin Bieber na televisão e o dito irmão andar aos pinotes pela sala a fazer as coisas mais estranhas, desde cortar pacotes de gomas a brincar com bonecos. Estranho, tudo muito estranho. E nós sem perceber bem onde é que íamos dormir.

Entretanto os Alea Jact Est foram dormir (honestamente, fiquei sem perceber onde) e a mãe do miúdo pôs-se à conversa connosco. O tom de surrealidade que este episódio foi é difícil de explicar em palavras, especialmente tendo em conta o cansaço que eu tinha em cima. Lembro-me dela a dizer que era das Filipinas, a mostrar fotos do filho quando era mais novo, a dizer que gostava muito de sea pods (sea food) e que tinha uma irmã em Portugal, ou que ia muitas vezes a Portugal. Acho que ela se chama Rita, mas posso estar a inventar. Para além disto, foi-nos buscar colchões, cobertores e almofadas. Hospitalidade, é você? Passado um tempo eles lá se foram deitar e nós, ainda a recuperar do choque (a sério, antes de me ir deitar ainda encontrei um tanque com uma tartaruga e um vaso gigante com água bem suja e um peixe), lá fomos montar o nosso estaminé. O Nuno ficou num sofá, o Leo e o Tofu no colchão (uma esponja gigante) que ela trouxe e eu pus as almofadas de um sofá no chão e chamei-lhe cama. O nosso dia tinha chegado ao fim. Foi pôr o despertador para as sete e tal e encostar a cabeça na almofada.


Acordámos com o despertador e não demorámos a nos aprontar para seguir em direcção a Calais, que ficava a pouco mais de uma hora de distância. Parámos um pouco depois de sairmos de lá para o Nuno e o Leo irem a uma pequena padaria comprar o petit dejeuner, que acabou por ser uns pães com chocolate, que estavam bastante bons, e um leite com chocolate a acompanhar, que acabei por não beber (por causa do lábio, claro). Chegámos ao ferry bem antes do tempo previsto e fomos dar uma volta enquanto esperávamos. Não havia lá muito para ver, de modo que acabámos a bater uma boa sorna dentro do carro à espera que chegasse a hora do embarque.

A viagem de regresso foi igualmente calma, com mais umas moedas gastas na máquina de caça no safari, que nos ocupou parte do trajecto. O resto do tempo passámos num dos salões, eu a jogar no telemóvel, o Tofu e o Leo a dormir e o Nuno a andar por aqui e por ali. À chegada a Inglaterra vi nas notícias que o atrasado do dia anterior se tinha devido a um acidente entre dois ferries, exactamente um dos que tinha saído antes do nosso. Não houve feridos, aparentemente chocaram por causa de onde provocadas pelo mau tempo. Está boa. No regresso a Londres optei por vir no banco de trás, passando o Nuno para a frente. A playlist que tocou foi composta maioritariamente de êxitos dos Irmãos Catita ou dos Ena Pá 2000, duas bandas que eu dispenso profundamente. Pus os meus headphones e deixei-me dormir - a viagem tinha valido mais que a pena e a felicidade de estar ali, naquele momento, com aquelas pessoas, era suficiente para eu não me querer preocupar com mais nada. Por muito que os anos passem, há coisas que nunca mudam.


11 de março de 2012

Ieper Fest 2002

Eu gosto de olhar para trás e recordar experiências que tenha vivido, não é de agora. Ao longo dos anos tenho mantido o hábito de ir escrevendo diários ou resumos das minhas viagens que, consoante o tempo passa, vão valendo bem mais que "uma imagem". Foi há dez anos atrás que fiz a minha primeira viagem a sério. No ano em que fiz 21 anos fui com o João e com o Atum até à Bélgica para ver o clássico Ieper Fest. O cartaz tinha alguns nomes de luxo que me faziam querer marcar presença, desse por onde desse. Não só isso, mas também a fome de viver algo novo e diferente. Curiosamente, esta foi também a primeira vez que andei de avião! Olhando agora para trás, parece que foi há séculos!
Escrevi este texto depois de ter voltado e, embora tenha tido que o melhorar para ser publicado, a base está toda como eu a escrevi originalmente (tirando uma meia dúzia de apontamentos de puto parvo que não faziam grande sentido e foram retirados). É uma boa forma de celebrar os dez anos de aventura que a vida que eu escolhi me ofereceu até agora, só espero que assim o continue a ser. Um brinde aos próximos dez!


DIA 1 - 16/08/2002
O telefone tocou por volta das cinco e meia da manhã, era o Atum a conferir que eu já estava acordado. O meu pai foi-me pôr ao aeroporto. Tivemos alguns problemas no check-in por causa da autorização dos pais dele (é o que dá ter 16 anos!) mas no fim acabou por se resolver tudo pelo melhor. Esta foi a primeira vez que andei de avião. Gostei de descolar e da experiência no geral mas pensei que os aviões fossem mais sofisticados. Fiquei um bocado desiludido com isso.
Passadas cerca de duas horas e tal chegámos a Bruxelas e fomos apanhar o comboio para Ieper. Foi fixe porque deu para andar aos saltos dentro da carruagem e a fazer trinta por uma linha. O melhor foi termos passado em Kortrijk (cidade crucial para qualquer fã de metalcore da H8000!). Eles não paravam de me chatear que Congress ia tocar naquela noite. Ouvi, repetidamente, "André, André tamos a chegar à terra onde Congress vai tocar!"Enfim… que chatos!

Saímos em Ieper e, como bons miúdos do hardcore que somos, decidimos seguir uns tipos que também aparentavam ir para o parque de campismo do festival. Lá chegámos, com mais ou menos jeito. Mal chegámos, com alguma sede, decidimos comprar água na máquinas das bebidas. Não foi até ao primeiro trago que percebi a água era gaseificada. Quase vomitei. A partir daí só Coca-Cola! Montámos a tenda, pagámos pelo aluguer do espaço e fomo-nos encontrar com os Pointing Finger, que estavam em tour e iam tocar nessa edição do festival. Fomos a pé até ao recinto e chegámos lá na altura de Smut Peddlers, que era um punk rock burro e chato que não me despertou grande interesse. Depois deles tocaram os Die My Demon e… wow! Foi o meu primeiro contacto visual com os mosh pits da H8000 e fiquei louco. Também gostei da banda, a ver se arranjo alguma coisa deles para ouvir. Seguiram-se os Pretty Girls Make Graves mas o som não faz bem o meu género e, como tal, não posso dizer que tenha gostado. Estava algo curioso para ver os Jr Ewing, que iam a tocar a seguir, e não fiquei desapontado quando tocaram músicas do primeiro disco. Depois tocaram os New Born, uma banda que o Atum adora mas que me deixou 300% indiferente. Como vão acabar não creio que valha a pena esforçar-me para gostar. O concerto de Born From Pain foi BRUTAL! Adorei! Eu adoro Born From Pain, é muito bom. Demasiado bom! Pode ser que venham a Portugal em Dezembro (isso é que era). A fechar a noite, tocaram os Congress. Estava (mais que) curioso para os ver ao vivo e adorei, claro. Sou fã do metalcore da H8000, nunca o neguei. Gostei do novo vocalista, o Tim. Ele tem boa energia ao vivo e é incansável. Basta dizer que começaram com uma intro instrumental (bem épica, diga-se) que foi seguida da The Release, dá para imaginar? Foi lindo, muito mesmo.
Depois de Congress acabar de tocar fomos até ao centro da cidade para levantar dinheiro e dar uma volta antes de voltar para o parque de campismo. Apesar de tudo estar a correr bem, eu estava a começar a ficar com o nariz entupido e isso não era nada bom.

DIA 2 - 17/08/2002
Bom dia Ieper! Acordei cedo, depois de uma noite muito mal dormida graças a uns alemães e uns ingleses que não se calaram a noite toda. O meu nariz estava todo entupido, o que não ajudou à festa. Fomos tomar banho às casas de banho do parque e soube-nos bastante bem, principalmente por estarmos num estado já relativamente imundo. Fomos ao supermercado comprar gauffres e qualquer coisa para beber. Eu optei por um batido manhoso, mas que estava bom. Comemos tudo, deitámos fora as embalagens e seguimos para o festival. Percorremos o trajecto a pé e pusemo-nos lá nuns dez ou quinze minutos. Quando lá chegámos, sentámo-nos cá fora na relva a descansar porque ainda faltava mais de uma hora para o festival começar. Acabámos por adormecer lá durante algum tempo. Entretanto comecei a pingar do nariz e chateei o Atum e o João para irmos lá para dentro (até porque eu precisava de um guardanapo para me assoar). Entrámos sem problema e fomos vendos as bancas de merch até começarem os concertos.

O dia começou com os Dead Stop, old school rápido que não me convenceu muito - se calhar porque estava às compras e mal ouvi o som deles. Depois vieram os Burn Hollywood Burn e os Nothing Gold Can Stay, não gostei de nenhuma das duas (até porque a descrição diferia bastante da do folheto). Não achei Burn Hollywood Burn "aquela malha" de que o Atum falava. Degradation seguiu-se e tive a vê-los lá à frente com o Diogo. Não gostei muito. Já tinha ouvido três músicas deles e estava à espera de mais do concerto - a meio já estava farto. A seguir vieram os Severance e os Trial By Fire, que já não me lembro como era o som mas não devo ter gostado. Depois, pronto, é o que se sabe… Algo que eu ansiava ver: Length of Time! E que brutalidade de concerto que foi. A voz dele é boa, o som é bom, é tudo bom. Ele não se cansa de pedir acção no mosh pit, circle pits e crowd surf. Gostei muito, embora algumas músicas tenham lá partes bem gay! O vocalista às vezes faz lembrar o palonço dos System Of A Down mas que se lixe, foi um grande concerto. Vi pessoal a moshar nas partes sem ritmo das músicas (bom demais!) e até vi miúdas a dançar no meio do mosh pit. Bom.

Depois disso fomos comprar bebidas até à bomba de gasolina que havia lá pertinho e onde ficámos sentados a comer e a beber. Por causa disso acabámos por perder The Deal, uma banda que eu até queria ver mas que… não deu! No entanto, muita coisa boa ainda estava por acontecer. Voltámos para o recinto, onde os Cast Down tomavam conta do palco. Era um rock manhoso na onda de Hot Water Music e As Friends Rust, duas bandas que me dizem muito pouco. O Atum decidiu adormecer antes da banda seguinte - os Sunrise, da Polónia - que são uma grande banda e deram um concerto igualmente grande (em qualidade!). Seguiu-se Square One, que era muito mau e deu para dormir um pouco lá na relva. Estava ansioso para ver Darkest Hour porque tínhamos lido umas reviews que diziam muito bem deles e dos concertos deles, muito bem mesmo!. Entretanto começaram a tocar uns tipos chamados Majority Rule, que tocavam algo na onda dos Dillinger Escape Plan, ou seja, bom à primeira música e secante a partir da segunda. O pessoal lá à frente estava todo a adorar mas eu não gostei muito, queria mesmo era ver Darkest Hour.

Darkest Hour começou e foi a loucura, até me passei. De vez em quando ia olhando para o Atum e o pensamento esbatia-se no olhar: esta banda era MUITO boa! Primeiro chegaram todo o material para a frente do palco, tocando na parte mais pequena do mesmo. Tinham um dinossauro que fazia stage dives e fizeram uma pirâmide humana numa das músicas. Só sabe quem viu, e quem viu adorou! Depois vieram os Strike Anywhere, hardcore mais old school. O pessoal português que lá estava gostou imenso mas a mim passou um bocado ao lado, o que queria mesmo ver era Heaven Shall Burn. Quando eles começaram a tocar foi o delírio também. Estava em cima do palco, que estava completamente cheio e com toda a gente a cantar as músicas. Adorei. O melhor foi na última música - To Inherit The Guilt - o vocalista ter-me passado o microfone lá numa parte antes do fim e eu tê-la cantado (claro que fiquei afónico pouco tempo depois). Que concerto dos diabos! Acho que vai ser um daqueles de que nunca me vou esquecer.
Como estávamos um bocado cansados decidimo-nos ir embora. Ainda fomos ao centro da cidade levantar dinheiro antes de voltar ao parque de campismo para ir dormir.


DIA 3 - 18/08/2002
Como é acordar com a voz toda lixada? Ou com o nariz todo entupido? E com um indício de constipação em cima?! Ah! Este foi o último dia do festival. Acordei todo virado do avesso, todo mesmo. Saímos da tenda e fomos dar uma volta pelo centro da cidade. Não perdemos muito tempo nisso porque os Pointing Finger iam abrir as hostilidades e nós queríamos marcar presença. Chegámos lá e ainda os vimos a montar o material no palco antes do concerto, que foi muito fixe. Estavam cerca de quarenta ou cinquenta pessoas na audiência a curtir. O ponto alto, como sempre neste tipo de festival, foram as covers. Estava à espera que fosse bem pior! Eu adoro Pointing Finger e eles estão com um line up mesmo fixe. Pena que já não toquem músicas das demos; eram as melhores, as mais sinceras. Enfim, não se pode ter tudo. Ficam as boas memórias dos concertos que vi em Faro.
Quando o concerto deles acabou, fiquei logo no palco para ver a banda que ia tocar a seguir, os Absone. O concerto foi muito bom, gostei muito. Já tinha decidido que não ia comprar mais nada mas tive que abrir uma excepção para o LP deles. Só não conhecia uma das músicas que eles tocaram. Juntamente com Fear My Thoughts e Sunrise foram das bandas que eu conhecia pouco e estava curioso para ver - não tendo ficado nada desapontado.
Depois vieram os Between The Lines e os Zaccharia, que foram relativamente interessantes. A primeira era puro hardcore nova-iorquino e a segunda era um hardcore mais pesado e gritado. Seguiram-se os Fear My Thoughts, que deram um óptimo concerto. Os guitarristas tocam muito mesmo! Até me passei. O som é brutal de si, então com um violino (e uma violinista!) e duas guitarras daquelas não dá mesmo hipótese. Vieram depois três bandas que não me disseram assim muito. Foram os Let It Burn, os Flatcat e os Sworn In. O que eu queria ver veio a seguir, sob o nome de Deformity. Mais metalcore clássico da H8000 que, infelizmente, não me convenceu. Foi o concerto mais parado do festival inteiro. Gostei porque sou fã da banda e o guitarrista toca muito, de resto foi meio chato e sem reacção por parte do público. Seguiram-se os Point of no Return que acabaram por não ser aquilo de que eu estava à espera. Espera mais energia, mais qualquer coisa… Mas mesmo assim foi um bom concerto. Acho que tinha as expectativas demasiado altas.


Durante a banda seguinte, os Amulet, aconteceu algo inesperado: Do nada, começou a cair um temporal que metia medo ao susto. Juro! Foi o caos! Foi tudo para cima do palco ou para baixo dos toldos. Só parou de chover duas bandas depois, em As Friends Rust. O João e o Atum gostaram imenso do concerto por isso deve ter sido fixe. Eu vim-me embora para o parque de campismo com o pessoal de What Went Wrong na altura em que Circle estava a tocar uma cover de Sick Of It All. Quando lá cheguei já não chovia, mas as tendas estavam todas alagadas. Estive a arrumar tudo mais ou menos bem e, uma vez despachado, acabei por adormecer. Estava todo partido, muito cansado, sem voz e meio doente. Eles chegaram algum tempo depois e decidimos arrumar tudo logo e ir para a estação, uma vez que não valia a pena ficarmos ali mais uma noite, desconfortáveis.
Fartámo-nos de andar até chegar à estação e pelo caminho fomos presenciando várias cenas bizarras que passaram por ruas com uma névoa ao fundo, janelas partidas com as cortinas de fora e barulhos em jardins. Quando chegámos à estação fui com o João beber uma Coca-Cola (acho que nunca bebi tanta Coca-Cola em tão pouco tempo na minha vida) e ver o que tínhamos comprado no festival. Começou a chover meio de repente e tivemos que puxar tudo à pressa para baixo de uma cobertura que havia lá. Pouco tempo depois adormeci ao pé do Atum, no chão. O João acordou-nos por volta das quatro da manhã para dizer que o comboio era às quatro e meia. Fomos para Bruxelas onde ainda ficámos uma noite, voltando para Lisboa no dia seguinte. O cansaço que trouxemos de volta era imensurável mas o sorriso na cara não enganava ninguém: a missão tinha sido cumprida.

19 de fevereiro de 2012

De Manchester a Madrid

No ano passado, uma vez que os meus pais viriam a Londres passar o Natal comigo e com o meu irmão, decidi tirar férias (entenda-se ir a Lisboa) antes do Natal. Calhou o Benfica ir jogar a Manchester no fim de Novembro em jogo da fase de grupos da Liga dos Campeões e, tendo eu perdido a hipótese de ir ver o mesmo jogo em Lisboa uns meses antes, achei que esta seria uma boa oportunidade para montar uma pequena aventura que me desse para matar saudades do bichinho viajante.
Lancei-me na habitual pesquisa de voos, para ver se compensava viajar nesta altura, e tive a sorte de ter a sorte do meu lado. O plano formou-se rapidamente: iria de comboio até Manchester, onde passaria a noite num hostel e de onde voaria de para Madrid na tarde seguinte. Depois de uma noite em Madrid, voaria para Lisboa. O total da viagem, excluindo o voo de regresso, não chegava a £50 por isso nem pensei duas vezes. O voo de regresso acabou por não ficar muito mais que isso, tornando a viagem num autêntico achado.

A minha ideia original era passar algum (curto) tempo em Madrid en route para Lisboa, uma vez que tinha lá uma amiga a viver e não teria que pagar alojamento, mas as horas dos voos não iam permitir que tal acontecesse. Chegava a Madrid tarde e o voo para Lisboa saía cedo na manhã seguinte. Fiquei mais ou menos aborrecido, mas nem por isso chateado. Na semana antes de partir, foi anunciada uma greve geral em Portugal, exactamente para o dia em que era suposto eu voar para Lisboa. Não foi até dois dias antes da viagem para Manchester (e algumas chamadas telefónicas depois) que consegui mudar para o dia seguinte o voo que me ia levar até Lisboa. Custou, mas foi. Assim sendo ia ter um dia inteiro em Madrid, algo que me fez jubilar, uma vez que já há algum tempo que estava para o fazer. Estava particularmente excitado por poder visitar alguns museus e dar um passeio pela Gran Vía. Claro que isto ia fazer com que passasse menos um dia em Portugal mas pronto, fazer o quê?

MANCHESTER
Saí de Londres na terça-feira do jogo. Ir a Manchester ver o United já não é nada de novo para mim e, sabendo os cantos à casa, já não preciso de ir mais cedo para o caso de me perder. Apanhei o comboio em King's Cross por volta do meio-dia para uma viagem que ia durar cerca de duas hora e tal. Vi algum pessoal que ia para o jogo mas, sendo as cores de ambos os clubes o vermelho e branco, ficava difícil de perceber qual era o clube que apoiavam.


A viagem foi calma. Certamente mais calma que a de autocarro, que demora o dobro do tempo. O problema dos comboios nesta terra é que são caríssimos e, se não for com promoções como a que eu apanhei, mais vale ir de autocarro. Claro que a viagem de autocarro é um valente aborrecimento, demorando quase mais do dobro da de comboio, mas pronto. Quem corre por gosto, não cansa.
O meu destino era a estação de Piccadilly, em Manchester, com uma paragem curta pelo caminho, em Milton Keynes. Chegámos a horas. O meu plano era ir até ao hostel fazer o check-in, deixar a mochila (que estava bem cheia e pesada) no quarto e seguir calmamente para o estádio.

Eu tinha ideia de como chegar ao hostel mas, mais uma vez, pus-me por caminhos que não conhecia e fui parar quase à ponta oposta da cidade. Enfim, ao menos tinha tempo e, como de costume, não me aborreceu nada o passeio. Vi muitos adeptos do Benfica por toda a cidade, principalmente ao pé dos hotéis onde estavam a ficar. Depois de uma longa caminhada lá descobri para onde tinha que ir (um caminho que da estação me deveria ter demorado cerca de vinte minutos mas acabou por demorar perto de hora e meia). O hostel era num edifício grande que, noutros tempos, deve ter sido um escritório ou a sede de uma empresa. Tinha ar de tudo menos de hostel. Eu costumo ficar no Hatters, que é ligeiramente mais central mas desta vez, uma vez que a diferença no preço o justificava, decidi experimentar este. A introdução não foi excelente, com a recepcionista a olhar para o ecrã durante uns bons cinco minutos em que eu estava do outro lado do balcão à espera de ser atendido. Fico piurso quando isso acontece. Muito mesmo. Depois de entregar o papel da reserva, pagar e ela dar-me as chaves do cacifo, foi-me levar ao quarto - que ficava ao fundo do corredor - enquanto explicava os procedimentos básicos do hostel. O quarto em si não era mau de todo, tinha três beliches e seis cacifos. Quando entrei não estava lá ninguém mas dava para ver que as camas estavam ocupadas. Tirei a mochila, aproveitei para desprender os músculos e, depois de pôr o portátil no cacifo, peguei no cachecol vermelho e branco e segui para o estádio.


Fui calmamente até ao centro onde dei uma curta, mas agradável, volta. Parei na paragem do tram que vai para Old Trafford e comprei um bilhete de ida e volta. Esperei uns bons dez minutos ao frio até que lá apareceu um, que ia completamente cheio. Uns dez minutos depois lá apareceu outro e, ainda que fosse ter que ir bem espalmado lá dentro, preferi isso a ter que esperar ao frio mais quanto tempo fosse. Eu gosto de chegar ao estádio de tram, porque isso obriga a fazer a pé a rua que vai até ao estádio e dá para sentir a emoção a crescer quanto mais perto se vai estando. O comboio, por sua vez, pára mesmo no estádio. O problema do comboio é o retorno, uma vez que as filas crescem muito rapidamente e, more often than not, há uma série de pessoas que acaba por não poder ir de comboio. Já me aconteceu mais que uma vez. No caso do tram, uma vez acabado o jogo e tirando proveito do meu passo rápido, consigo percorrer o quilómetro-e-qualquer-coisa num instante e ainda chegar a tempo de apanhar o primeiro ou o segundo tram.

Cheguei ao estádio relativamente cedo e, como tal, decidi ir à loja do United só para ver, uma vez que eles tinham feito obras recentemente e eu ainda não a tinha visto remodelada. Como é habitual em dia de jogo, a loja estava um caos. Dei uma volta rápida e saí de lá em direcção à minha porta, ainda parando para ajudar uma ou duas pessoas que queriam ter uma foto tirada em frente à fachada do estádio. Fui das primeiras pessoas a entrar para o meu sector; as bancadas, normalmente, só começam a encher cerca de vinte minutos antes do apito inicial. O meu lugar era bom e com boa visibilidade. A bancada dos visitantes fica mesmo em frente ao lugar que eu tinha e quando entrei já estava muito composta. Não só isso, mas os adeptos do Benfica já cantavam como se não houvesse amanhã.




O United vinha de uma série de exibições muito pouco impressionantes, principalmente na Liga dos Campeões. Ganhar este jogo significaria semi garantir presença nos oitavos-de-final e, como tal, pedia-se uma boa exibição à equipa. Eu sempre fui adepto do Benfica, tendo começado a simpatizar com o Manchester United no fim dos anos 90 por causa do jogo Championship Manager e, principalmente, pela campanha feita na Liga dos Campeões de 1998/1999 onde uma vitória conseguida - literalmente - nos últimos minutos, me conquistaria para sempre. Aos meus olhos, era daquilo que uma grande equipa era feita. Apesar de continuar a seguir o Benfica, jogo após jogo, nos anos que seguiram, houve uma altura em que a falta de habilidade para sequer conseguirem fazer dois passes seguidos me deixou pouco interessando em seguir o campeonato português com tanta paixão como haveria feito em anos anteriores. Uma das coisas que eu gosto no futebol, é de ver bom futebol. Futebol bem jogado. A minha cena é o futebol, muito acima do clubismo.
Quando vim viver para Inglaterra não demorei em perceber qual é que era o clube que ia apoiar, por cliché que soe, quando se sente, sente-se. Não há "um dia sou deste" e "outro dia sou daquele". Ou se gosta muito, ou não. No ano em que cheguei o Ronaldo ainda jogava pelo clube e ganhámos a Liga dos Campeões ao Chelsea. O pub em que vi a final explodiu de alegria (menos os adeptos do Chelsea, claro) quando o John Terry falhou o golo e essa há-de ser uma memória que nunca irei esquecer. Hoje em dia, não tendo tempo para seguir dois campeonatos e, tendo em consideração que o campeonato português é largamente inferior ao inglês, opto por apenas ver os jogos do Benfica em campeonatos Europeus, seguindo por alto a Liga Portuguesa.

Este jogo ia ser um jogo interessante porque, sendo eu adepto do Benfica desde pequenino, estava com algumas dúvidas sobre para que lado me ia inclinar e o que iria sentir. A resposta não demorou a surgir, bastou o jogo começar para perceber que, apesar de não querer que o United sofresse golos (para, obviamente, progredir na Europa), de cada vez que o Benfica atacava eu sentia-me como se estivesse na bancada do Benfica a torcer pela equipa. Festejei os dois golos do United da mesma forma que sorri quando o Benfica marcou os dele. O jogo acabou 2-2, depois de mais uma exibição relativamente fraca do United que, infelizmente, se revelou crucial para a nossa não passagem à próxima fase da Liga dos Campeões. Estava muito frio e os adeptos do Benfica calaram, autênticamente, o estádio inteiro. Note-se que os adeptos do United, em casa, têm o mau hábito de não apoiar a equipa quando os resultados são fracos. Já o vi acontecer uma série de vezes, da mesma forma que já vi acontecer o contrário como daquela vez contra o Bayern München. Enfim, fazer o quê? Ainda que estivesse meio triste com o resultado, estava contente com as possibilidades do Benfica passar à próxima fase.

Saí do estádio depois do apito final e dirigi-me à estação dos trams, passando à frente de muita gente pelo caminho. Consegui apanhar o primeiro tram que passou. Uma vez que grande parte das pessoas ainda vinha a caminho, o tram ainda não ia muito cheio. A viagem foi calma e a disposição geral não era má de todo. A exibição não tinha sido a melhor e o resultado era fraco para as nossas ambições mas não se poderia dizer que tinha sido altamente imprevisível. Quando cheguei ao centro da cidade, uns vinte minutos depois, decidi ir procurar qualquer sítio onde pudesse comer, uma vez que não o fazia desde a sandes que comi no comboio. Procurei e procurei e, uma vez que não encontrava nada melhor, decidi para num daqueles restaurantes de fast food turcos e pedir uma pizza. Certamente que não era a opção mais saudável (tinha mais óleo que pizza) mas àquela hora o meu estômago estava preocupado com tudo menos com óleo. O frio continuava a fazer-se sentir e intensificava-se de hora para hora. Fui rapidamente para o hostel, tentando não me perder desta vez.

Cheguei lá relativamente cedo e, como não tinha sono nem me queria deitar àquela hora, decidi agarrar no livro que estava a ler e ir para a sala comum, onde um grupo de benfiquistas discutia futebol. Digo grupo de benfiquistas porque apesar de estarem em grupo, nem todos eram amigos. A discussão aqueceu depois de algumas opiniões divergentes terem sido atiradas para cima da mesa. Eu liguei o meu iPod e pus-me a ler, tentando ignorar o que se estava a passar à minha volta. Por volta da meia-noite vieram dizer que toda a gente tinha que sair da sala, porque fechava àquela hora. Achei estranho, mas não tive remédio senão sair também. Toda esta situação era-me mais ou menos inconveniente, já que eu tinha que carregar o iPhone, que estava a dar as últimas. Procurei uma tomada cá fora e acabei por encontrar uma ao pé dos computadores para os hóspedes. Liguei lá o telemóvel e encostei-me à parede a ler. Entretanto desceram mais portugueses, que vinham com comida do McDonald's pronta para ser comida. Ficaram lá algum tempo sentados a comer e a fazer barulho e depois lá se foram embora. Depois de carregar o telemóvel mais um bocadinho fui ao quarto buscar a escova de dentes, fui até à casa de banho e fui-me deitar. Nos últimos cinquenta centímetros da parede, junto ao tecto, o quarto tinha janelas de vidro que davam para o corredor . Eu tinha reparado nisso à tarde, mas não fiz caso. Com o que eu não contava era que eles fossem deixar as luzes do corredor acesas toda a noite. Lá arranjei maneira de não apanhar com a luz na cara e tentei adormecer com alguma coisa a tocar no iPod. Custou, mas foi.

Outra coisa com que eu não tinha contado, era acordar por volta das cinco da manhã com os selvagens do quarto ao lado a gritar cânticos do Benfica e a bater nas camas de modo a fazer ainda mais barulho. Depois disso foi muito complicado voltar a dormir sem ser por curtos períodos de tempo. Deviam ser cerca de nove e tal da manhã quando pulei da cama para ir tomar o pequeno-almoço. Travei rápido conhecimento com o tipo que dormiu na cama por cima da minha e fomos juntos tomar o pequeno-almoço. Ele era um tipo da minha idade, de Viana do Castelo mas que vivia em Paris há alguns anos com a mulher. Já tinha vidido no Canadá mas foi deportado por um motivo que não me lembro. Estivemos a falar um pouco do jogo mas o tópico corrente foi mais o viver fora de Portugal. A hora do pequeno-almoço estava quase no fim e, como tal, já não havia quase nada. Ainda conseguimos uns cereais com leite mas já foi a muito custo. Melhor que nada, certamente. Depois disso fui à casa de banho lavar os dentes, buscar a mala ao quarto e fazer o check-out. Ele ainda me acompanhou até meio do caminho, onde se ia encontrar com alguém que tinha conhecido no jogo. Despedimo-nos com o aperto de mão da praxe e eu segui em frente. O meu destino? O museu do Manchester United!



Desde que comecei a ir a jogos em Old Trafford que não tive hipótese de ir ao museu do clube, muito porque normalmente vou para ver o jogo e venho-me embora ou a seguir ao jogo ou cedo no dia seguinte. Desta vez, uma vez que o meu voo para Madrid era só à tarde, decidi marcar uma visita para a hora de almoço. Assim ainda teria tempo de vir a Manchester passear um pouco antes de ir para o aeroporto. Apanhei o tram no mesmo sítio do dia anterior e pus-me no estádio muito rapidamente. Dirigi-me até à entrada do museu e esperei pela hora da minha visita guiada ao estádio.
A visita foi interessante, ao longo de uma hora e pouco. Andámos pelas bancadas, vimos o balneário, a sala onde os jogadores relaxam antes dos jogos, o túnel de acesso ao relvado e mais um sem-número de coisas interessantes. O nosso guia era simpático e volta e meia lá fazia um comentário engraçado, que invariavelmente rasgava sorrisos aos participantes do grupo. Parte da missão estava cumprida, faltava agora o museu!




O museu tem muita história e está bem divido, ainda que eu ache que pudesse estar melhor. Tem uma sala especialmente para o Ferguson, outra para o desastre de Munique e várias outras com informação sobre o clube, troféus, antigos treinadores, jogadores, etc. Passei imenso tempo no museu, imenso mesmo. Acho que li tudo de uma ponta à outra e mais tinha lido se houvesse para ler. É difícil não ficar inspirado pela riqueza histórica de um clube como o Manchester United, principalmente a forma como lidou com as mais variadas situações adversas ao longo do tempo. 


Quando saí do museu já passava um pouco da hora de almoço e eu não me quis ir embora sem visitar o Red Café e aproveitar o desconto de sócio. Sentei-me para almoçar (soube-me lindamente poder tirar a mochila!) e pedi o habitual hambúrguer vegetariano, que veio acompanhado de batatas fritas e coleslaw. Decidi mimar-me um pouco e complementei a refeição com um delicioso cheesecake de morango. A refeição estava boa, pelo menos soube-me bem. O espaço é agradável mas, honestamente, creio que comer lá seja uma daquelas situações one off que, muito provavelmente, não irá voltar a acontecer.



Voltei para o centro da cidade já deveriam ser cerca de três horas e tal. Antes das quatro já estava num a caminho do aeroporto, descansado da vida e pronto para, quando lá chegasse, pôr o telemóvel a carregar, uma vez que estava quase sem bateria. O comboio para o aeroporto demora cerca de vinte minutos, talvez menos, mas como, pensava eu, tinha tempo para queimar, decidi ir de autocarro. Sentei-me então no segundo andar de um doubledecker e, passados cerca de vinte minutos, decidi pegar na confirmação do voo só para conferir ao certo a que horas fechava a porta de embarque. Eu tinha ideia que não seria até às sete horas da noite, mas rapidamente me assustei quando percebi que afinal era às cinco horas (dezassete, portanto). Não entrei em pânico, porque já sei que isso não leva a lado nenhum. Tinha então cerca de meia-hora para chegar ao aeroporto. Calmamente levantei-me e desci as escadas para perguntar ao condutor quanto tempo levaria dali até ao aeroporto, ele respondeu que deveria demorar cerca de quarenta minutos. Agradeci a informação, ciente de que estava enfiado num problema, e pressionei o botão para indicar que desejava sair na próxima paragem. Assim o fiz. Mal saí, depois de raciocinar a mil à hora, lá me inteirei que a única hipótese viável seria mesmo apanhar um táxi e, mesmo assim, desejar que não houvesse trânsito e que o aeroporto não fosse muito longe. Perguntei numa loja se sabiam de algum serviço de mini-cabs na área, ao que me responderam que não, num inglês muito esfarrapado. Andei um pouco ao longo da rua até que encontrei uma paragem de táxis. Para tornar tudo melhor a minha bateria acabou precisamente nesse momento, por isso, mesmo que precisasse de fazer uma chamada, não ia conseguir. Esperei cerca de dez a quinze minutos até que finalmente passou um táxi do outro lado da rua que parou ao meu aceno. O trânsito na direcção que eu precisava de seguir era visível. Expliquei rapidamente ao senhor, arábico, o que é que me tinha acontecido e pedi-lhe para tentar chegar ao aeroporto o mais depressa possível. Ele deve ter simpatizado comigo porque deitou o pé no acelerador e lá fomos nós por atalhos e caminhos estranhos mais rápido do que a lei (certamente) permite. Conseguimos chegar ao aeroporto cerca de cinco minutos antes da hora mas eu não tinha dinheiro para lhe pagar e ele não aceitava pagamento por cartão. Deixei lá a mochila e fui a correr à procura de uma caixa, que só encontrei no piso -1. Levantei £20. Voltei para o táxi, deixei a nota com ele e nem me preocupei com o troco. Corri até à segurança onde, felizmente, não havia fila e onde, infelizmente, apanhei um velho chato que insistiu em me revistar a mochila. Mochila esta que estava completamente cheia até cima com roupa para os sete dias em que ia estar fora. Aproximava-se a hora do fecho da porta de embarque e eu estava ali a explicar-lhe que tinha um voo para apanhar, escusado será dizer que ele não se preocupou muito (nada?) com isso. Depois de ele me deixar ir, dei uma pequena corrida até à porta de embarque onde quase pulei de alegria quando vi que o embarque - ao bom estilo da Ryanair - ainda nem sequer tinha começado. Pus-me na fila, organizei a mala e não demorou até que percebesse que o avião ia estar cheio de adeptos do Benfica.


O avião ia tão cheio de adeptos do Benfica que a hospedeira de bordo - portuguesa - só fez o primeiro announcement em inglês, todos os restantes foram em português. Entretanto adormeci, tendo acordado mais tarde com cânticos do Benfica e alguma tensão no ar. Percebi que alguém que estava sentado mais atrás tinha dado uma bolachada ao hospedeiro de bordo, que claramente não tinha noção que a melhor forma de lidar com um grupo de pessoas não é usando a autoridade mas sim o bom senso. Ainda tentou, mais uma vez, mandar calar os adeptos que cantavam, mas a única coisa que conseguiu foi cantassem mais alto. Eu ria-me. A surpresa veio quando aterrámos e, antes de nos deixarem levantar, a polícia espanhola veio a bordo recolher a queixa que o hospedeiro tinha feito. Ficámos cerca de meia hora parados antes de poder fazer alguma coisa até que nos deixaram sair. Mandaram sair a primeira metade do avião, deixando a outra (onde estava o tipo que tinha dado a bolachada ao hospedeiro) lá dentro. Não fiquei para saber o que lhe aconteceu.

Estava com isto meio atrasado para ir ter com a amiga com quem ia ficar nessas duas noites. Pior, não tinha bateria no telemóvel para a poder avisar. Antes de sair do aeroporto, procurei por uma tomada e encontrei-a junto à casa de banho. Certamente haveria sítios melhores mas o tempo não abundava e eu só queria sair dali. Liguei o telemóvel à corrente durante uns quinze minutos, troquei um par de mensagens com ela e pus-me a andar dali para fora. Apanhei o metro e pus-me onde tinha que estar em cerca de vinte minutos. Demorei algum tempo até encontrar o nosso rendez-vous mas lá nos acabámos por encontrar sem problemas.
A casa dela ficava, literalmente, ao fundo da rua por isso não custou muito lá chegar. Depois de trocarmos dois dedos de conversa, tomei um duche e morri de cansaço até que a manhã me acordasse.

MADRID
Acordei relativamente cedo, já completamente descansado do compridíssimo dia anterior. Confesso que, por dentro, até nem estava muito chateado com a greve em Portugal. Assim, sempre poderia matar saudades de Madrid - cidade que adoro desde a primeira vez que lá fui, há muito, muito tempo! Os meus planos eram simples: ir ao Prado, ao Thyssen e, se desse tempo, ao Reina Sofía. Infelizmente só pude cumprir os dois primeiros, ficando o último para uma visita futura. Também tive tempo para um pequeno passeio na Gran Vía, já ao fim do dia, que me soube bem.



Gostei de revisitar os museus, principalmente o Thyssen, onde pude alimentar o meu recente apetite por arte impressionista e expressionista e apreciar alguma pop art. Fiquei fascinado com o trabalho de Richard Estes, que desconhecia por completo. Também gostei de rever no Prado as pinturas negras do Goya, algo que queria fazer há muito tempo. Os dois museus levaram-me o dia inteiro, principalmente o Prado que já é, de si, gigante. Perdi algum tempo nas lojas dos museus e depois de me despachar, fui até à Gran Vía, onde parei no McDonald's para comer qualquer coisa ligeira e ver qual era o plano para o serão. Aproveitei a internet de borla para passar os olhos no Facebook e, depois de trocar algumas mensagens de texto com a minha amiga, ficou combinado irmos jantar a algum sítio ali perto.


Apesar de gostar da Gran Vía, fiquei sem perceber se a prostituição por ali é legal ou não. A quantidade de prostitutas que por ali param a chamar pessoas (homens) com o maior à-vontade do mundo deixou-me ligeiramente chocado. Tentei imaginar o mesmo na Oxford Street e... não, não funcionou. É estranho. Demos algumas voltas até encontrarmos um restaurante típico onde entrámos para jantar. A comida não era má e a decoração era engraçada por isso acabou por se fazer bem a refeição.


No dia seguinte segui cedo para o aeroporto onde, para variar, cheguei mais que a horas! Não demorou até que estivesse dentro do avião a caminho de Lisboa para mais uns quatro dias relaxadamente bem passados, como se quer depois de uma aventura destas e com perfeita noção de que tenho que voltar a Madrid com mais tempo. Me gusta mucho!

13 de fevereiro de 2012

Killing Frost - Winter Tour

Alguns dos melhores e mais memoráveis momentos da minha vida até agora foram passados com os Killing Frost, banda que comecei em 2005. Ao longo de duas tours europeias (uma pequenina e uma gigante), duas demos e dois 7" (um deles não chegou a ser lançado) nasceram histórias, muitas histórias mesmo. Tantas histórias que para o verdadeiro espírito delas vir ao de cima, seja preciso estar com o resto do pessoal da banda e respectivos roadies. Fizemos coisas que hoje em dia se calhar já não fazem muito sentido e que muito provavelmente não voltaria a fazer mas isso é o que eu chamo de processo de crescimento, live and learn.

Em Dezembro de 2006, pouco mais de um ano de termos começado a banda e de termos tocado alguns concertos em Portugal, decidimos marcar uma pequena tour europeia de promoção ao disco que tínhamos acabado de lançar. Não me lembro ao certo se estes foram os primeiros concertos do Diogo como guitarrista, mas estou em crer que sim. A tour correu bem e não foi mais que aquilo que nós sabíamos que ia ser: uma autêntica aventura. Seis miúdos enfiados numa carrinha a ir pela Europa fora, com partida no dia a seguir ao Natal, para tocar uns concertos na Alemanha, Holanda e Bélgica só podia mesmo dar por esse nome. Depois de voltar, descrevi sucintamente a experiência e guardei o texto que agora torno público. In Frost We Trust!


DIA 26 DE DEZEMBRO - LISBOA/PORTO, PORTUGAL
Eu e um dos nossos roadies saímos de Lisboa por volta das nove da manhã numa carrinha que tinha sido alugada com o meu cartão de crédito novinho em folha. Na altura tinha um trabalho estável (ainda que fosse um "trabalhinho") e podia-me dar a estes luxos, salvo seja. A viagem foi calma e chegámos ao Porto por volta do meio-dia e tal. Encostámos ao pé de casa do Brandão e carregámos a carrinha com o material. Levámos um backline completo, o que ajudou a que a bagageira da carrinha fosse bem cheia. Saímos do Porto por volta da uma hora de tarde com destino a Heist-op-den-Berg, na Bélgica. Qualquer coisa como cerca de dois mil e tal km de distância, ou vinte e tal horas de viagem, trocando por miúdos.



DIA 27 DE DEZEMBRO - HEIST-OP-DEN-BERG, BÉLGICA
Chegámos à Bélgica por volta das onze horas da manhã. Andámos meio perdidos à procura da terra onde ia ser o concerto e, depois de parar para perguntar, lá nos conseguimos orientar. Ficámos surpreendidos com a nossa média, que foi de vinte e poucas horas sempre sem parar. Apanhámos imenso frio em França, cerca de sete graus negativos e neve, mas dentro da carrinha até que nem se estava assim muito mal. De qualquer modo, chegámos cedo demais à Bélgica que, como grande parte da viagem, estava bastante gelada! Fomos comer o snack típico (e obrigatório) - batatas fritas e molho - num dos muitos sítios que eles têm para esse efeito, e fomos em busca da sala onde seria o concerto. Depois de andar um pouco ao frio lá acabámos por encontrá-la. Era pequena e tinha um bar ao pé da entrada. O palco ficava ao fundo da sala e tinha espaço para vinte ou trinta pessoas à frente dele. Estávamos contentes. Sentámo-nos num sofá que lá havia e acabámos, invariavelmente, por adormecer.



A primeira banda era na onda de Strife, mas não era assim nada de especial. Pelo menos não me despertou muito a atenção. O nosso ser foi ok, nada mau para o novo alinhamento. Esqueci-me de uma parte da letra da música de Agnostic Front que tocámos mas, tirando isso, foi regular. Vendemos alguns discos por isso acho que o pessoal curtiu. Restless Youth, que iam fechar, foi bem fixe. Nessa altura estavam umas setenta pessoas na sala e ela estava pelas costuras.



Depois do concerto ficámos um pouco na sala a beber Chocomel e a galhofar junto à banca do merch, até que o nosso host para a noite (que também era o organizador do concerto) veio ter connosco para seguirmos para casa dele. A casa ficava meio longe do centro da cidade, mas não custou a lá chegar. Eu já o conhecia de uma tour anterior de For The Glory e já tinha lá ficado. Sabia que o tratamento era melhor que bom e que ele era uma jóia de pessoa. Todos tivemos cama onde dormir e oportunidade de tomar um duche. Eu não o fiz, uma vez que rolava uma aposta para ver se eu aguentava até ao fim da tour sem o fazer.


DIA 28 DE DEZEMBRO - AMSTERDAM, HOLANDA (DAY OFF)
Acordámos menos cedo do que queríamos. O Jan serviu-nos um pequeno-almoço brutal que serviu de óptimo tónico para começar o dia. Como não tínhamos concerto neste dia, decidimos ir passear até Amsterdam, na Holanda. Chegámos lá já algo tarde mas ainda deu para passearmos um pouco. Andámos meio perdidos pelo centro, depois de ter ido comer a um Burger King. Fomos a uma loja de discos, onde perdemos algum tempo e gastámos o resto do tempo no Red Light District a andar de um lado para o outro que nem um bando de miúdos que nunca tivesse saído de casa. Nessa noite íamos dormir a Utrecht, também na Holanda, a casa de uns amigos. Saímos de Amsterdam tarde e chegámos lá mais tarde ainda. A casa ficava, literalmente, no meio do nada. À volta só tinha campo. Era uma casa engraçada, com dois andares. Vivia lá algum pessoal de bandas que nós conhecíamos e que tinham sido simpáticos o suficiente para nos oferecer o chão deles pela noite. Montámos o nosso estaminé no chão da sala, que ainda era bastante grande, e fomos dormir depois de reviver uma série de histórias.



DIA 29 DE DEZEMBRO - UTRECHT/EINDHOVEN, HOLANDA
Acordámos meio à pressa porque os donos da casa tinham que ir trabalhar. Ainda tomámos um pequeno-almoço rápido com eles e lá fomos nós. Seguimos para Utrecht, onde nos fartámos de andar. A cidade é muito bonita e tem montes de miúdas giras. Almoçámos num dos muitos snack bars que eles têm e eu aproveitei para comer o meu menu de preferência quando nos Países Baixos: dois kaassouflees, uma Coca-Cola e uma dose pequena de batatas fritas com fritessaus. Mais que delicioso. Saímos para Eindhoven por volta das quatro horas da tarde numa viagem que foi relativamente calma. Demorámos quase mais tempo à procura da sala do concerto do que na viagem mas, felizmente, a calma manteve-se. Fomos parados pela polícia enquanto procurávamos pela sala por estar a flashar carros no trânsito com os posters de algumas das revistas porno que tínhamos roubado em estações de serviço ao longo da viagem. Um dos polícias chamava-se Mike e fazia o papel do polícia mau, o outro era o polícia fixe. Eles foram os dois compreensivos e disseram só para não voltarmos a fazer. Há sempre uma primeira vez para tudo…!



A sala do concerto - chamada The Rambler - era fixe mas o concerto em si nem por isso o foi. Este foi um concerto arranjado à última da hora porque um dos outros tinha sido cancelado. Iam tocar três bandas e a nossa ia abrir o concerto. A nossa prestação foi bem melhor que a anterior, estando muito mais soltos em palco. Infelizmente só apareceram cerca de vinte pessoas para o concerto. Depois de acabarmos o nosso set, fomos dar uma volta para cidade. Foi bom recordar os tempos que lá passei em 2004 e ter noção que a cidade continua igual. Lembrei-me do Pedro e do Congas, com quem lá vivi. Bons tempos! Depois do concerto acabar e de arrumarmos tudo, fomos dormir à casa Laura, em Antwerp, na Bélgica.




DIA 30 DE DEZEMBRO - TIELT, BÉLGICA
Acordámos cedo. Ninguém tomou banho por falta de tempo, uma vez que a Laura tinha que sair de casa igualmente cedo. Tomámos o pequeno-almoço, lavámos a louça e fomos dar uma volta pela cidade. Mais uma vez, fartámo-nos de andar. Andámos pela zona do centro e fomos até ao pontão, antes de voltar para trás. Ainda parámos para comer qualquer coisa antes de seguirmos para o sítio onde tínhamos combinado nos encontrar com os Justice. O sítio era uma bomba de gasolina à saída de Antwerp e de lá fizemos cerca de noventa km até à sala do concerto. Apanhámos um tempo horrível durante a viagem.



Quando chegámos, a sala do concerto estava cheia. Ainda que estivesse cheia de pessoal do beatdown, uma vez que grande parte do cartaz era feito de bandas desse género. Havia muita corrente e boné da Lacoste. Essa onda. Também havia alguns miúdos do hardcore, mas eram uma minoria.
O concerto era numa sala não muito grande e não ia ter palco. Em circunstâncias normais, isso não me faz grande diferença mas, neste caso, tendo em conta que o chão era de ladrilho e estava a chover lá fora, o mais certo era eu espetar-me muito rapidamente. Meu dito, meu feito. Não foi preciso passar da primeira música para que isso acontecesse. Até foi fixe, mais punk era impossível! Quando tocámos só lá estava, obviamente, o pessoal do hardcore, que deviam ser uns sessenta, se tanto. O que vale é que a sala era pequena. Os Justice tocaram depois de nós e o concerto foi bom, ainda que as músicas novas não me atraiam por aí além. Depois do concerto ficámos um bocado cá fora a fazer tempo, uma vez que íamos seguir directamente (entenda-se conduzir noite dentro) para Hamburg, na Alemanha.




DIA 31 DE DEZEMBRO - HAMBURG/KIEL, ALEMANHA
A viagem fez-se bem. Melhor do que aquilo que eu tinha previsto, pelo menos. Fui sempre na frente com o Filipe, a falar de tudo e mais alguma coisa até que, por volta das nove da manhã (depois de cerca de sete horas de viagem), já perto do nosso destino, fomos parados pela mui querida polícia alemã. Eles decidiram implicar que o Filipe estava sob o efeito de anfetaminas e obrigaram-nos a seguir o carro deles até uma esquadra para ele fazer testes de sangue. Tivemos que deixar uma caução que seria devolvida caso o resultado do teste fosse negativo. Eles foram claros o suficiente: se não pagássemos, não saíamos dali. Depois do pequeno empate lá seguimos para Hamburg, onde íamos, finalmente, dormir. Ficámos em casa de um dos miúdos portugueses que tinha vindo connosco de Tiel e que estava a viver em Hamburg na altura. O apartamento era fixe e com uma decoração moderna. Dormimos no quarto, todos mais ou menos ao monte.

Acordámos por volta das três horas da tarde. Dormi bastante bem, eventualmente por causa do cansaço. Tomei banho, algo que não acontecia desde Lisboa, perdendo assim a aposta que tinha sido feito no Porto. O que tem que ser, tem que ser! Fomos dar um passeio pela cidade, onde já se ouviam foguetes ao estrondo por todo o lado. É uma tradição (?) algo estranha esta que têm em Hamburg. Dia 31 de Dezembro significa lançar foguetes de manhã à noite. Haja paciência. Fomos até ao Red Light District da cidade, que é muito mais intenso que o de Amsterdam. Desde edifícios com prostitutas porta sim, porta sim, até troços de rua onde não podem - absolutamente - entrar mulheres. Um mundo completamente aparte.



Pouco depois seguimos para Kiel, onde íamos tocar nessa noite. O nosso concerto foi muito fixe (o melhor da tour, acho eu). Era só punks mesmo à anos 80, miúdas giras, putos straightedge e mais uma molhada de estilos todos à mistura. Quando tocámos estavam cerca de cento e tal pessoas na sala, quando foi a passagem de ano deviam estar cerca de duzentas e cinquenta. O concerto foi meio caótico; logo na primeira música um dos microfones de suporte caiu e partiu-se uma garrafa mesmo à minha frente - bom, muito bom! O pessoal curtiu e nós também. Ainda ficámos lá a curtir até tarde e depois de acabar a festa fomos dormir a casa de um dos organizadores. A casa estava vazia e nós ficámos numa sala que não tinha nada a não ser um computador velho. Lá nos organizámos pelo chão, da melhor maneira possível, e fomos dormir.



DIA 1 DE JANEIRO - DEN HAAG, HOLANDA
Saímos cedo de Kiel, embora só tivessemos uma viagem de cinco horas pela frente. Este concerto - em Den Haag, na Holanda -  era o último da nossa pequena tour de Inverno. Ainda assim, era um concerto importante porque íamos tocar com os Fucked Up. Chegámos a horas à sala, que era uma valente porcaria. Não fiquei grandemente excitado para o concerto depois disso. Depois de alguns problemas com os Fucked Up, nomeadamente o facto de não aparecerem, eles lá apareceram e nós começámos o concerto.


O set foi ok; a sala era muito fraca e o som não lhe ficava nada atrás. Não consegui falar uma única vez entre as músicas por causa dos feedbacks do microfone. Estavam lá cerca de sessenta pessoas e a sala estava cheia. Foi um concerto estranho porque ninguém bateu palmas entre as músicas, achei que seria provavelmente por eles terem lá ido para ver Fucked Up e nos terem achado demasiado rápidos. No fim do concerto várias pessoas vieram-me dizer que tinham gostado imenso do concerto e eu fiquei baralhado. Holandeses d'um raio. Fucked Up foi muito estranho e acabou com o vocalista e a baixista pegados à batatada. Depois do concerto seguimos directamente para Portugal.


DIA 2 DE JANEIRO - LISBOA, PORTUGAL
Chegámos a Portugal às sete horas da noite. A viagem fez-se bem, embora eu tenha vindo o tempo quase todo a dormir. Numa das paragens em França, eles ainda andaram a perseguir coelhos numa estação de serviço mas eu, que estava muito mais para lá do que para cá, não liguei muito a isso. Parámos no Porto para deixar toda a gente em casa e viemos para Lisboa. IFWT!