O dia, uma segunda-feira, começou cedo. Às 8:30 já estava em Hatton Cross, o ponto de encontro onde nos tínhamos combinado encontrar. A manhã não estava muito bonita, embora isso não fosse nada a que Londres não nos tivesse já habituado. Presentes estavam alguns directores e vários membros de staff da sede e dos mais variados hostels (desde Brighton a Amesterdão). Seguimos numa carrinha alugada para Southampton onde nos iríamos encontrar mais tarde com os directores (que tinham ido nos próprios carros). A viagem faz-se bem, creio que seja pouco mais que uma hora de caminho, e uma vez lá chegados descarregámos as malas e fomos para ao pé do barco. E que barco, o olhar generalizado era de espanto porque para quem nunca velejou o barco parecia muito pequeno, especialmente para 14 pessoas.
Eventualmente, depois de carregarmos as malas e a comida, lá entrámos para dentro do barco. Tivemos direito a uma pequena introdução e apresentação individual de cada membro da crew e fomos divididos por port watches (port e starbord), calhando-me a mim o port. Cada watch faz turnos de 4 horas e cozinha pequeno almoço, almoço e jantar alternadamente. Fomos para baixo, trocámos de roupa, vestimos os fatos-macaco à prova-de-água e viemos para cima, onde começaria a acção. Tirámos o barco da doca mais ou menos sem problemas, tendo em conta que ninguém dali tinha experiência anterior nisto. A única coisa que tivemos que fazer foi controlar as bóias e dar folga às cordas que estavam a atracar o barco. A saída fez-se bem e a viagem foi relativamente calma. Este foi aquele tipo de experiência em que se aprende enquanto se faz portanto tanto estavamos todos muito bem a saborear a brisa marítima como a mudar a direcção das velas ou a enrolar cordas.
A rota para o primeiro dia era sairmos de Southampton em direcção a Yarmouth, na Isle of Wight. Aparentemente uma viagem muito calma. Depois nos dias seguintes iríamos de Yarmouth a Weymouth, de Weymouth até Cowes e finalmente de Cowes até Southampton.
Dia 1 (===): Southampton até Yarmouth (Freshwater)
Dia 2 (===): Yarmouth (Freshwater) até Weymouth
Dia 3 (===): Weymouth até Cowes
Dia 4 (===): Cowes até Southampton
Dia 1: Southampton - Yarmouth
Bom, tínhamos saído de Southampton por volta das 11 horas e chegámos lá já relativamente tarde, diria que por volta das 6 horas da tarde. A viagem fez-se bem e sem grandes problemas. A posição da equipa no barco é duas pessoas na proa a ver se há algum barco ou bóia à frente com a responsabilidade de avisar quem está ao leme em caso afirmativo e uma pessoa no leme com outra a ver se há algum barco a aproximar-se por trás. Também fica sempre alguém junto às cordas que prendem o mastro caso seja preciso de mudar de direcção repentinamente. Todos fizemos de tudo durantes os 4 dias. Durante esta primeira viagem fizemos várias simulações de homem-ao-mar com um balde e uma bóia e não foi tão fácil como eu tinha em mente. Espero nunca ter que apanhar ninguém assim porque é muito difícil, já para não dizer stressante. Chegando lá e dado que estavamos todos bastante cansados a maioria decidiu dormir uma pequena sesta dado que o jantar só era para ser servido às 8 horas. Havia lá chuveiros (para marinheiros, suponho) por isso 3 de nós tomaram banho enquanto os outros foram para o pub relaxar um pouco. O meu watch era o que estava de serviço por isso não houve pub nenhum para nós. A cabine era pequena e a 'cozinha' era assim no cantinho e mal dava para uma pessoa caber lá em condições, no entanto lá nos orientámos. Entretanto o resto do pessoal regressou, jantámos, limpámos e fomos para o pub beber umas bebidas à conta da empresa. Depois ainda fomos dar uma volta mas não se passa nada naquela terra. Mesmo nada, e não estou a exagerar. Regressámos ao barco e foi tudo imediatamente dormir que tínhamos que acordar às 7 horas da manhã no dia seguinte.
Dia 2: Yarmouth - Weymouth
Acordámos cedo e a grande maioria foi tomar o seu duche merecido do dia anterior. O duche em Yarmouth por acaso era bom, pena só durar 6 minutos contados ao segundo. Comemos o pequeno-almoço (do qual eu burramente abusei) que constou de baked beans e ovos mexidos com torradas. Vestimos a roupa de velejar e seguimos viagem. O começo fez-se muito bem mas chegou a uma altura em que o barco andava, literalmente, aos pinotes, como se estivesse a fazer troça da montanha-russa da antiga Feira Popular de Lisboa. Outro facto interessante de mencionar será que num barco destes, quando a vela principal está desdobrada e o vento a soprar forte, a inclinação do barco é de cerca de 45º relativamente à água. Confortável? Nem por isso. A certa altura, antes do fim do nosso watch, estive na frente do barco literalmente a segurar a minha vida com as mãos (ainda que estivéssemos todos bem presos ao barco com ganchos e cordas de aço).
Estávamos ligeiramente afastados da costa e a andar a uma velocidade considerável, sempre a levar com água, que certamente ajudou a não adormecer. Entretanto o nosso watch acabou e tivemos que dar lugar ao próximo. Quando o watch acaba podemos ficar em cima ou ir para baixo, o que nao é de todo recomendável a não ser que se tenha um estômago de ferro, coisa que eu rapidamente descobri não ter. Fiquei um pouco cá em cima a saborear o bom sabor da aventura e depois decidi ir lá para baixo ver o que é que se passava (estavam lá alguns dos membros do meu watch, ora enjoados, ora a preparar o almoço), mal desci e pus o pé fora das escadas, decidi voltar subir porque era realmente impossível estar ali sem 'virar o barco'. Mal subi as escadas e sem qualquer tipo reacção que indicasse nesse sentido, vomitei tudo o que tinha comido ao pequeno-almoço. Foi estranho. Já não vomitava há muito tempo. Muitos se seguiram a mim, tal era o balanço do barco nesta altura, e passado algum tempo voltou-me a sair a sorte grande. A sensação antes de vomitar é horrível porque dá a sensação de termos uma bola de ar no estômago que sobe e desce até decidir sair cá para fora de vez. Eu achava que enjoar era mito, agora tenho a certeza que não o é. De estômago cheio, muito poucos devem ser capaz de aguentar a ondulação do mar. Tirando esse episódio foi uma viagem bem agradável e chegámos a Weymouth por volta das 3 horas da tarde. De novo, uma terra onde não se passa nada e onde os bares não tem Sky Sports (não pude assim ver o Manchester United, que jogava nesse dia para a Liga dos Campeões). O tempo estava horrível e chovia a potes, felizmente o duche era mesmo em frente ao sítio onde estavamos atracados. Mais tarde fui dar uma volta mas acabei mesmo por só ir ao Tesco, que ficava a um par de ruas do porto. Depois de jantar acabámos por decidir não ir ao pub dado que no dia seguinte o wake up call era as 4:30 da manhã. Felizmente (já vão perceber porquê) era o nosso watch que ia fazer esse turno. Dormi bem melhor nesta noite, diga-se, porque na anterior tive um bocado de frio e o sítio onde dormimos não era o mais escuro do mundo.
Dia 3: Weymouth - Cowes
Às 4 da manhã já estava tudo (com algum custo) a sair da cama que às 5 o barco já tinha que estar a andar. No mar, para tirar melhor proveito das rotas temos que nos guiar pelas marés e como tal estamos dependentes delas. Foi-nos dito várias vezes, talvez como incentivo para nos despacharmos, que a maré não espera por nós. Dei dois goles num chá com leite (tendo aprendido bem a lição com o pequeno-almoço do dia anterior...) e segui para cima, onde ainda estava escuro como breu. Preparámos o barco e pusemo-lo a andar. A primeira hora e meia fez-se muito bem, via-se perfeitamente a lua rodeada de estrelas e estava uma calma brutal, éramos só nós e o mar. Depois a certa altura começou o verdadeiro inferno azul. Qualquer coincidência entre o que se passou a seguir e o anúncio clássico da Old Spice (onde um barco à vela atravessa condições muito adversas em alto mar) não é mera coincidência. Se eu até então achava que o dia anterior tinha sido duro, mal sabia como estava enganado. De cada vez que apanhavamos uma onda maior e a frente do barco ressaltava na água com a ondulação era ver as caras de pânico. Toda a gente pulava de onde estava e agarrava-se com bastante força ao que estivesse mais perto. Lá vomitei mais duas vezes durante a viagem e desta vez só 3 de 14 é que conseguiram resistir. A certa altura era só ver o pessoal a ir à borda do barco para mandar o pequeno-almoço aos peixes. Intenso.
Bom, mas se foi assim porque é que eu disse que 'felizmente' tinha sido este o meu turno? Porque enquanto isto acontecia os coitados do outro watch estavam lá em baixo a (tentar) dormir, e se eu estava cá atrás e tinha a cabeça facilmente a um metro e meio da água, nem os quero imaginar na cama a tentar dormir. Claro que vomitaram todos antes de virem cá para fora e demoraram quase meia hora para se vestir porque era impossível estar de pé.
Depois, como se não chegasse tudo aquilo que a Mãe Natureza já nos tinha feito passar, partiu-se uma peça na proa do barco que entalou a vela da frente. Isto resultou em termos que ir quase todos para a proa, nas condições mais adversas possíveis, para, em grupo, tentar puxar a vela que estava entalada na peça partida. De cada vez que o barco descia por causa de uma onda, 1/5 da proa ficava debaixo de água alguns milésimos de segundo. É muito estranho ter perfeita noção que qualquer um de nós pode ser cuspido borda fora a qualquer momento, apesar de estarmos todos relativamente bem presos ao barco. Eventualmente lá descemos a vela da frente e a principal também. A partir daí, e dado que o mar estava muito mais calmo, fomos com o motor ligado até Cowes. Infelizmente, não vimos muito de Cowes porque estavamos todos altamente exaustos. Nessa noite, que era a última, fomos para um bar onde os patrões fizeram a gentileza de pagar as bebidas. Deram-nos uns polos, que usámos todos tipo boat crew, com o emblema da nossa empresa bordado de um lado e o da Associação Marítima que patrocina estas viagens no outro. Ficámos lá um pouco e depois voltámos para o barco. À meia noite ja estava tudo, não surpreendentemente, a dormir profundamente.
Dia 4: Cowes - Southampton
A saída de Cowes foi relativamente calma e a viagem também. Tendo em conta que estando a peça partida não podíamos levantar as velas, fizemos a viagem a motor, o que se fez relativamente bem. A viagem durou cerca de duas horas e chegando a Southampton descarregámos e limpámos o barco quase imediamente. Depois fomos todos comer a um pub que havia na marina e partimos para Londres. Chegámos por volta das 4 horas da tarde e depois de umas bebidas num dos nossos bares, em Shepherd's Bush, cada um seguiu calmamente o seu caminho com um saco de histórias para contar no dia seguinte.
Houve alturas durante a viagem em que pensei seriamente sobre o que é que estava ali a fazer, porque é que não tinha antes ficado em casa, etc. Aqueles pensamentos que todos temos quando é preciso ir buscar aquele bocadinho de força de que só sai cá para fora nas alturas em que o coração fica apertado. Fiquei com as mãos super-inchadas de puxar e enrolar cordas e com nódoas negras na zona lombar de estar sempre a ir contra a madeira enquanto on watch. Tirando isso e meia dúzia de cortes nos dedos fiquei fino. No fundo, e falando por experiência, a minha cena mesmo são 4 rodas e uma cidade por dia durante duas semanas ou um mês (entenda-se tour). No mar não ha estações de serviço nem paragens para libertar a bexiga. Uma vez dentro do barco só se pára para pensar passado 7 ou 8 horas e isso pode ser um pouco duro por vezes. De qualquer forma, adorei a experiência e voltaria a repetir se surgisse a oportunidade. Ahoy, Captain!












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